sábado, 30 de dezembro de 2017

A fogueira das vaidades da terceira onda feminista



Existe um teste que as feministas da terceira onda usam para tentar cooptar mais membros para o Clube das Mulheres Oprimidas, um espaço social onde a música ambiente é o falatório incessante, o traje a rigor é a irracionalidade (venha pelada, mas não venha sem o manto simbólico da falta de bom senso), o ponche de achismo é servido aos baldes e o cenário é algo que um antropólogo de Marte apontaria como “a vontade de rebanho da espécie humana manifestada da forma mais desesperada”. O teste é de apenas uma pergunta: “você é a favor da igualdade entre homens e mulheres?”. Se você responde que sim, dizem “está vendo?, você é feminista”. Claro. Só que ninguém faz a advertência para que tipo de feminismo as avaliadoras defendem. 

A terceira onda do feminismo é uma maré doentia, e os ingredientes da sopa primordial são carência, complexo de inferioridade e ignorância voluntária. O que se manifesta desse caldo é um desejo de aplauso (“lacração”, busca de apoio feminil, “deixa que eu desconstruo as coisas”), um narcisismo expressado aos berros de “Extra! Extra!” e uma repulsa ao conhecimento sóbrio e ao contraponto. 

Desejo de aplauso constante é carência: sem público, a feminista se deprime, e é na perseguição da aceitação que se adotam posições radicais, extremas, e a “problematização” do todo. A moderação dificilmente atrai seguidores, então é preciso inovar, e a glória de se sentir amada pelo coletivo virá quando uma bobagem for descamada como uma cebola e alguém, com fome de gurus e discursos, disser: “você sabe que eu nunca tinha visto isso dessa forma? Obrigada, deusa”. 

Narcisismo expressado aos berros é complexo de inferioridade. O genuíno narciso, raríssimo, se basta: ele sabe que é melhor, que é bonito, que impera, e não dá a mínima para a opinião alheia. Ele não diz aos ventos a cada instante “eu não dou a mínima para a opinião alheia”, entenda-se. Ele simplesmente não dá a mínima. Já o narciso fajuto precisa se vender justamente porque é muito inseguro, ele necessita que os outros o amem para que ele se ame. Seu encontro consigo mesmo não se dá na solidão da olhada no espelho ou no reflexo do rio, mas na fotografia viralizada dele se olhando no espelho ou no reflexo do rio: não é “eu me amo” seu lema, mas “vejam como eu me amo” – completamente diferente, pois depende de público. O narciso fajuto quer que os olhos dos outros sejam rios onde ele vai ler que é bonito, que tem valor. Este ano uma feminista negra, “filósofa”, disse pela centésima vez que era linda e sábia. Uma feminista morena, “socialista”, disse que a achava feia. A “filósofa” tentou se blindar do choque de o rio ter cuspido em sua cara aquilo que a perturba lá no fundinho, aquilo que a faz choramingar quando os espelhos nos olhos dos outros dormitam: usou ironia, convocou o bloco monolítico (veio trotando em sincronia), jogou a carta da angústia travestida de superioridade e afirmou, num surto de megalomania e despreparo com números, que 180 milhões de brasileiros a amam. Era de sentir pena tanta demonstração de desespero. Quando alguém faz dessas no pronto-socorro de um hospital, logo o enfermeiro aparece para acalmar o surtado e tirá-lo de cena colocando um casaquinho nos ombros dele. Numa reunião de família, vão enrolá-lo num cobertor e recomendar “venha, vamos dormir, já passou da hora de tomar seus remédios”. Na internet o surtado provoca uma epidemia em vez de a plateia entender que precisava de ajuda. A diferença entre o narciso real e o falseado é a diferença entre o tomate e o Nescau no supermercado: o tomate, boníssimo, está nu e despreocupado, porque não precisa se afirmar com nada, não precisa de um pacote de autoelogios; lá no outro corredor o Nescau, que é ruim, trabalha uma ilusão em seu exterior e sente a urgência de se atestar como vitaminado, gostoso, nutritivo, mágico. 

Repulsa ao conhecimento sóbrio e ao contraponto é ignorância voluntária: as professoras de feminismo “se doutoraram na vida” e não estão dispostas a aprender. Mas fingem absorção humilde quando ouvem alguém defender aquilo que elas já pensavam ou quando vão a oficinas como “Radicalize-se: (des)dobre o origami da opressão e descubra o cerne das relações de micropoder”. (Parênteses no meio das palavras costumam ser péssimo sinal; mas sinal dos tempos de fato será quando usarem colchetes e chaves.) Não são refutados argumentos, mas pessoas, e é em nome do ódio ao contraponto que se apela para a guerra das vaidades. A ciência é negada: bom mesmo é estatística feita com método errado – eu ia escrever “duvidoso”, mas não gosto de eufemismos –, astrologia (quando uma feminista é ateia e fã da determinação dos astros, já se sabe: não é ateia por motivo racional e científico, mas porque Deus e a religião representam poder, patriarcado, etc.) e “vivência”. Vivência: mas quem vive o mesmo e conclui o oposto só pode estar fazendo uma leitura errada de mundo. 

“O feminismo é importante para nós porque é necessário para mim” deveria ser a síntese do que esse movimento representa hoje. Não é prioritariamente sobre mulheres que sofrem, é sobre a vaidade das mulheres que alegam sofrer. E nisso se assemelha tanto a toda futilidade que diz combater nos homens. Padrão de beleza, por exemplo. Há feministas que “querem porque querem” ser consideradas bonitas em casca, mesmo que sejam desproporcionais, assimétricas e paquidérmicas. Pensam, com isso, que estão dando um banho de “desconstrução”, só que na verdade estão dançando a mesma música que os homens adoradores de padrões de beleza colocam para tocar. Por que em vez de “todas são bonitas” não se batalha pelo “beleza física nem sempre é importante”? Vaidade, simplesmente. Eu me nego a chamar de bonitas pessoas que considero feias de maneira acachapante. Nem por isso estou desmerecendo quem quer que seja, porque, na minha concepção, beleza não é fundamental – se pudesse escolher, teria ao meu redor gente inteligente, higiênica e aberta ao humor, não gente bonita que não sabe fazer nada. Agora vejamos sobre esse tema a alienação feminista em passos: 

1. O dito patriarcado determina que beleza é fundamental.

2. O feminismo da terceira onda compra essa ideia e corrobora: beleza é fundamental. (Não me lembro de as outras ondas terem reivindicado “somos todas lindas”; acho que aquelas ondas eram mais envolvidas com a questão política do que com a questão trivial e coitadinha da bruxa moderna que não aguenta ver o espelho dizendo que a Branca de Neve tem traços mais harmoniosos.)

3. Patriarcado e feminismo estabelecem uma parceria, um consenso: beleza é fundamental.

4. Se a beleza é fundamental e precisamos combater a sociedade de classes (porque a luta se manifesta mesmo no quesito estético, e a estética é parte do motor da história), nada mais justo do que estimular essa grande osmose que vai diluir as belezas, balanceá-las e permitir que todas as mulheres sejam bonitas.

5. Que conversa é essa de mérito? Não há mais bela e menos bela, todas as mulheres são belas.

É até contraditório que se busque tanto uma aprovação de beleza enquanto se condenam figuras de beleza. “Não chamo minha filha de princesa”, diz uma para logo depois declarar que o adjetivo “linda” é moeda corrente na educação da criança – como se isso fosse essencial, virtuoso. Não adianta berrar, não adianta tatuar, não adianta pregar para as convertidas que vocês são lindas se vocês não são. O esquerdismo tem dessas: não aguenta ver que alguém se destaca, é preciso mediocrizar, nivelar tudo. 

Uma cantora feia (de maneira indubitável) aparece. Canta bem. O “patriarcado” grita que ela é feia. O feminismo, que não quer fazer autocrítica estrutural e por isso permanece numa estúpida dicotomia com o propalado inimigo, diz que a cantora é bonita e que “precisamos falar sobre belezas diferentes”. O que deveria se retrucar é: por que uma mulher que vai cantar precisa ser bonita? Ela não deveria apenas saber cantar? Quando uma cantora precisa ser bonita? Exatamente, quando não sabe cantar. 

Existem pessoas sem dúvida feias, pessoas sem dúvida bonitas, e belezas relativas. Desde criança me incomodo com as perguntas sobre a beleza daqueles para os quais manifestamos interesse apaixonado ou amoroso. (Chamo isso de criança visionária, enquanto vocês todos sempre me chamaram de criança estranha, mas tudo bem se eu trouxe a luz elétrica para o vilarejo antes de vocês terem entendido a importância da vela.) O que faço com uma pessoa que é apenas bonita? E como eu conviveria com uma pessoa que só tinha isso como trunfo? Se meu objetivo é “a beleza plena acima de todas as coisas”, vou construir minha casa rústica no meio de um campo florido, e não querer conviver com quem apenas satisfaça a matemática da estética com um corpo lindo em cada quadrante. O feminismo deveria ser sobre “a beleza não é o mais importante” (dizer que não é nada importante é mentira) e não sobre o autoritarismo de querer forçar todo mundo a achar que Claudia Schiffer e Jocelyn Wildenstein são igualmente belas. 

Empoderamento é uma forma mentirosa de vaidade autossuficiente. “Eu me visto para mim”, “uso salto para mim” e “uso maquiagem para mim” são coisas que na imensa maioria dos casos não procedem. Quase nunca saio sem pelo menos um pouco de maquiagem. E essa maquiagem é para vocês. A prova disso é que não tenho o hábito de usar maquiagem em casa: em casa, apenas passo sombra nas partes ralas das minhas sobrancelhas e um pouco de blush se estiver pálida. Para mim, de verdade, portanto, importa não ter sobrancelha rala nem rosto pálido – batom e pó compacto eu passo para os outros. “Salto para mim mesma” só faria sentido se a dona dessa sentença usasse salto ao estar sozinha em casa: acorda no domingo, coloca salto e vai lavar a louça, ver TV, ler um livro. Isso é “salto para mim mesma”. Se você só usa fora de casa, seu salto é para os outros, não minta que se adora tanto assim, não forje narcisismo. Poucas mulheres fariam questão de se depilar se fossem viver uma temporada numa ilha deserta – mas adorariam ter uma lâmina de depilação se soubessem estar próximas do resgate. Como é confortável a franqueza e como é nojenta a encenação desmedida. 

A terceira onda quer abortar quando bem entender “porque o corpo é da mulher e ela faz o que ela quiser” (segundo mês, sétimo mês – não importa, porque ciência do desenvolvimento fetal não importa, o que importa é a empoderada mimada). A terceira onda quer que mulheres não sejam interrompidas por homens – problema de gênero, segundo elas, mesmo que eu consiga reunir 200h de vídeos em que fui interrompida por outra mulher no que certamente era apenas uma fabulosa sessão de sororidade que não percebi. Problema humano de modo geral e de falta de educação agora é “problema de gênero”. A terceira onda quer mais investimentos em universidades para “pesquisas” sobre gênero nas especializações sobre gênero que publicam inúmeras revistas sobre gênero que nem as próprias “profissionais do gênero” leem – isso é mais importante do que atividades de laboratório. A terceira onda se arroga o direito de falar em nome de todas as mulheres quando decreta que “nenhuma mulher gosta de assovios e gritos de 'gostosa' na rua”, quando, bem, a realidade não se adapta a esses dados inventados. A não ser, claro, que as fofinhas feministas burguesas não gostem da estima exteriorizada desses trabalhadores – em locais pobres, certos tipos de pedreiros distribuem felicidade com seus panegíricos. A terceira onda mente que “nunca é a roupa que faz uma mulher ganhar um assovio ou ser assediada”. Pergunto: quando uma moça bonita muito coberta e uma não tão bonita de trajes mínimos passam por uma construção, quem tem maior chance de receber os “elogios” dos pedreiros? (Não estou falando de certo e errado, estou falando do que acontece.) A terceira onda, ao discutir entre si, é a baixeza daquele diálogo primário entre a “filósofa” e a “socialista” que citei acima: se uma critica a outra, a outra diz que é inveja da exposição, inveja porque escreveu livro, inveja porque é convidada a ir à Globo (a “filósofa”, aliás, sempre que contestada usa o coringa “inveja”). Não difere muito do teor de discussões de mulheres “barraqueiras” resolvendo suas picuinhas “na casa mais vigiada do Brasil”. A terceira onda mente que mulheres gostam ou podem gostar de sexo tanto quanto homens, ou mais. Excetuando o caso de viciadas em sexo – que é uma condição patológica, triste e tratável (lembre-se que viciados em sexo podem muitas vezes precisar se aliviar, na urgência, com mendigos) –, dizer que uma mulher gosta de sexo tanto quanto um homem é desconhecer a biologia, o papel dos hormônios e a cabeça de um homem. A finalidade de mentir sobre esse assunto é massagear a vaidade, para sentir a delícia de fazer com que os outros achem que se é muito sensual. Claro, queridas: vocês certamente correm com frequência para o banheiro quando estão com muito tesão e têm certeza que continuarão assim aos 60, vocês certamente se igualam à quantidade de masturbadas diárias de rapazes na puberdade – no mínimo três, no máximo a esfola –, são os parceiros de vocês que inventam que têm dor de cabeça ante insistências incômodas. Claro. Tudo muito verídico. Essas proclamadas famintas são os Cadernos Pagu recebendo um sopro da revista Nova. Há mulheres que lamentavelmente nunca gozaram na vida (não culpem somente os homens “que não souberam fazer”; foquem em ensiná-las a descobrirem seus corpos sem nojo), mas as “deusas da terceira onda” nunca podem ser saciadas porque estão eternamente ávidas. É uma competitividade mórbida: essa feminista não quer gostar de sexo de modo saudável de acordo com o que a natureza lhe dá – ela tem tanta obsessão por odiar homens que só se satisfaz quando fantasia que seria capaz, ela, de engravidar pelo menos 365 pessoas num ano. O sexo é uma dádiva da evolução: maravilhoso, natural e simples. Por que o feminismo quer transformá-lo em farsa, ganância, “luta”, concorrência, soberba?

Um “feminismo” que esperneia como uma criança no supermercado se jogando no chão quando quer alguma coisa desnecessária – que ele me ligue no dia seguinte como prometeu, que as pessoas me achem bonita, que me deixem falar meu monólogo até o final, que eu possa chamar de assédio se tiver vindo de um homem feio, que eu possa chamar de estupro se me arrepender depois, que eu não tenha que provar minhas acusações porque o que importa é a palavra da vítima, que eu possa me sobressair sobre estudados porque tenho vivência, que eu não precise assumir minha ignorância quando um homem quiser me ensinar o que não sei – não pode, não deve, ser levado a sério e nem atendido em suas exigências. Não se renda às exigências triviais feitas aos gritos: da próxima vez não deixe essa mimada ir junto ao supermercado. 

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NOTAS

1. Em terreno polarizado, é preciso explicar o básico para não entrar na roda: há muitas pautas feministas importantes (aborto até o terceiro mês, masturbação feminina, desvencilhamento do pacote casamento + filhos, divisão de tarefas, educação infantil livre de imposições limitadoras, combate à violência doméstica). Meu asco é sobre a terceira onda, que não é um movimento político, mas um movimento de estímulo das vaidades, de adoração a personagens pitocos transbordando prepotência e de resposta à vontade animalesca de agrupamento. Se você é “contra o feminismo”, saiba que não estamos no mesmo barco. 

2. É incrível como algumas pessoas são bonitas. Mas e depois? Ou: mas e o que mais? A mera beleza basta a mulheres fúteis e homens babões, mas, francamente, o que faço numa mesa de bar sentada com Marina Ruy Barbosa e Zara Larsson? A companhia de Willem Dafoe e Steve Buscemi – que não considero feios, mas que estão muito longe do “padrão” (e que por isso são tidos como feios por muita gente) – traria melhor proveito, sem dúvida. 

3. É multifatorial o problema das mulheres que não gozam (muitas até pensam que talvez gozem). Uma cultura do pudor, do nojo que a mulher deve sentir pelo próprio corpo, a dificuldade de alcançar o que se deve (enquanto no homem a natureza trouxe tudo muito escancarado, como uma ferramenta que o colega dele pede na oficina mecânica e “tá na mão”), intromissão religiosa quando Jesus nunca deu um pio sobre o assunto. E é um problema que não deve ser menosprezado, pois traz infelicidade tanto para ela quanto para ele quanto para elas (num casal lésbico). Achei perfeita a comparação que um dia fizeram com um espirro: não apenas porque se manifeste como um “atchim” a caminho, mas porque ninguém tem dúvidas se espirrou ou não. Ninguém diz “olha, eu acho que espirrei” ou “tenho a impressão de que espirro junto com meu marido todas as noites”. 

4. Mulher que diz gozar exatamente ao mesmo tempo que o parceiro: uma iludida ou, essa sim, uma deusa em sintonia perfeita com um deus. Vocês na neve, vem um vento gelado, as roupas não são suficientes: qual é a probabilidade de você e seu parceiro espirrarem juntos? Pois é. 

5. É possível se afastar, mas não adianta negar: nossa natureza influenciou o desenvolvimento da nossa cultura. Há motivo para homens gostarem de mulheres bonitas. Há motivo para mulheres gostarem de homens com dinheiro. “Isso é tudo cultural” – sim, mas como fruto da árvore da natureza. Mulheres lindas casadas com bilionários feios é algo comum, mas é raro que bilionárias feias consigam se casar com homens lindos. Revistas de homem nu não fizeram sucesso. Homens que ganham menos que suas parceiras são comumente tratados com leve desprezo por elas – e são fortes candidatos a serem traídos se além disso forem completos bananas. Homens não costumam gostar de mulher-macho, mulheres não costumam gostar de homens afeminados. Casais de mulheres têm uma fidelidade muito maior que casais de homens: até no mundo homossexual a vontade carnal do homem de “diversificar” se manifesta. Acho muitas dessas coisas ruins – mas é minha opinião sobre um dado. Negar a natureza não vai apagá-la. É melhor tentar trabalhar com ela.